Como criar melodia – aprenda a ser criativo mesmo sem estar inspirado

Como criar melodia é algo que qualquer pessoa deve ter se perguntado em algum momento. De onde vem essa capacidade do ser humano de inventar esse elemento estrutural da música tão marcante?

Portanto se você pensa como a maioria que esse processo é possível apenas para quem tem talento intuitivo de nascença, leia esse texto e se surpreenda!

Criar melodia –  o processo criativo

Apesar de parecer estranho, para criar nem sempre precisamos aguardar a inspiração, que pode inclusive não aparecer! Também nem sempre precisamos começar do zero! Criar pode ser recombinar elementos a partir de referenciais estéticos cristalizados culturalmente em séculos de experiência humana.

Por outro lado, o ato de criar também pode ser entendido como variar. O termo variação é tecnicamente aplicado para denominar procedimentos musicais que possibilitam evitar a monotonia criando seu oposto: a diversidade.

Assim para essa finalidade pode-se usar muitas maneiras de criar por variação, dois procedimentos conhecidos e bastante utilizados são:

• quebrar – consiste em literalmente extrair a parte de um todo, que vai servir de base para uma nova criação, por exemplo a parte líquida de uma laranja que pode virar entre outras coisas um suco.
• entortar – é quando modificamos a aparente estrutura de algum objeto, um bom exemplo são as pinturas surrealistas de Salvador Dalí, reconhecemos, apesar das deformações, os objetos, mas estes não são mais os mesmos…

Selecionando uma boa melodia como ponto de partida

Com a intenção de buscar como criar melodia por técnicas de variação, é necessário realizar uma boa análise da melodia original identificando elementos estruturais.

A melodia e seus elementos contrastantes

Um dos elementos fundamentais de qualquer boa melodia é o contraste, pois esse é o elemento surpresa, responsável pela “virada” que evita a monotonia, ou ainda o “coelho que sai da cartola!”. Esse elemento de contraste está evidentemente presente em um clássico da música popular brasileira: o chorinho Tico Tico no Fubá (Z. De Abreu).

Analisando as frases da primeira seção do Tico Tico,  destacam-se algumas características. Em síntese, seriam basicamente o contraste entre cromatismos, movimentos diatônicos e saltos intervalares. Na primeira frase as cinco primeiras notas evidenciam o cromatismo (bordadura) e as duas últimas um salto intervalar de 4ª justa.

Nas demais frases, observa-se uma sequência de notas diatônicas (notas alvo) intercaladas por arpejos.

Para maiores detalhes dessa análise e de outros elementos do tema Tico Tico no Fubá, segue uma vídeo aula. Assista com atenção e continue a leitura!

Como criar melodia – quebrando  e entortando

Agora que você já entendeu a análise do tema, vamos à prática!

A seguir, demostrarei o processo criativo utilizando a estratégia de quebrar e entortar a partir do tema Tico Tico no Fubá. O título do novo tema criado, de minha autoria, é: Ciganinho.

Agora vejamos o passo a passo:

Inicialmente, para demonstrar nosso processo criativo vamos quebrar a primeira frase do Tico Tico frase em dois motivos: o cromático e o salto.

Em seguida vamos inverter a ordem. Começaremos com o salto e depois seguiremos como o cromatismo.

Outro elemento que vamos variar é o rítmico e para isso levaremos o contexto geral da composição que originalmente é um choro para a área do jazz, “meio gypsi”. Finalizando o trecho, o elemento cromático (bordadura) será transposto uma quarta justa abaixo.

Um outro elemento que foi “entortado” foi o cromatismo que na música original serve de preparação para o arpejo de Dm.

Aqui, por exemplo, além da adaptação rítmica, as notas são tocadas de trás para frente:

Por fim, para as demais frases continuaremos observando as mesmas características do original: a sequência de notas diatônicas (notas alvo) intercaladas por arpejos. Assim o que faremos, além da variação rítmica e da mudança na ordem das notas dos arpejos, será transpor o movimento diatônico original envolvendo as notas ré, dó, si, lá e sol#, para fá, mi e ré#.

Enfim, o estudo de composição a partir destas estratégias é um excelente recurso criativo aliviando a necessidade de uma “super inspiração”, trazendo a segurança de criar a partir de cânones já estabelecidos, permitindo criar o novo sem exagerar na dose, o que pode facilitar a compreensão e receptividade.

Portanto, mãos à obra! Escolha seu tema e pratique! Entorte e quebre à vontade!

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Segue uma video aula para você ouvir o tema Ciganinho e entender melhor ainda o processo de criação:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. EAGLEMAN, David: Brandt Anthony. como o Cérebro cria. O poder da criatividade humana para trasnformar o mundo. Intrínseca: 2017
2. SCHOENBERG, Arnold; STRANG, Gerald. Fundamentos da composição musical. 3. ed. São Paulo, SP