Dicas, Gustavo Fontes

Como Usar Arco ao Contrabaixo – aprimorando a sonoridade

Como usar o arco ao contrabaixo acústico

A busca por qualidade de som é uma incansável jornada na vida de qualquer músico. Nesse post será abordado de forma prática, como usar o arco ao contrabaixo a fim de se obter uma sonoridade que atenda às necessidades da melhor forma possível.

Aproveite!!

A matéria-prima da música é o som

Creio que todos concordariam com essa afirmação, pois, antes de tudo, a música consiste, de fato, em alguma sorte de organização (ou desorganização) deliberada dos sons no fluxo temporal.

Assim, independentemente do gênero musical ao qual nos dediquemos ― se MPB, Jazz, Rock ou música clássica ―, é preciso que nos preocupemos de modo muito especial com o som que extraímos de nossos instrumentos musicais: eles serão a matéria-prima da música que estivermos a construir.

Se é verdade que os diferentes gêneros (e subgêneros) musicais possuem seus próprios critérios de valoração artística, também é verdade que cada um deles possui seu próprio conjunto de referências (e expectativas) associado ao som a ser produzido por cada instrumento musical no âmbito dos grupos instrumentais que cada um desses mesmos gêneros musicais tipicamente emprega.

É por isso que um guitarrista de Rock, por exemplo, escolherá com todo o cuidado sua guitarra elétrica e tudo que a cerca (modelo, encordoamento, palhetas, captação, amplificação, efeitos eletroeletrônicos, etc.). Do mesmo modo, refletirá sobre todos os detalhes técnicos relativos à execução de seu instrumento (digitações, palhetadas, uso da alavanca, bending, tapping, etc.).

Tudo isso, está claro, para que possa produzir exatamente o som que almeja no contexto específico do gênero musical de sua predileção, isto é, em função do cumprimento com as expectativas de produção sonora desse gênero, como ele as interpreta.

Como Usar de forma otimizada Arco e Contrabaixo para obter sonoridade adequada?

Dirigindo-nos ao foco deste post, o contrabaixo acústico executado com o arco, seja na esfera da chamada música erudita ou na esfera da chamada música popular, não é diferente: ensejam-se múltiplas expectativas de sonoridade. A maneira de usar o arco ao contrabaixo terá influência direta no resultado sonoro.

Na música erudita estas expectativas podem variar, dentre outros fatores, de acordo com os diversos estilos históricos (por exemplo, barroco, clássico, romântico, moderno, etc.), bem como com as diversas tradições instrumentais (escolas instrumentais) que se foram estabelecendo em cada país ou região do mundo.

Na música popular, sobretudo de acordo com cada subgênero em questão (como tango, fusion ou jazz tradicional).

Elemento sonoro imutável – o instrumento

Neste ponto, é preciso levar em consideração que um instrumento musical (aqui, contrabaixo e arco) e demais elementos que conformam suas características sonoras são objetos inanimados, e, portanto, depois de selecionados, são fixos, imutáveis.

No caso de um contrabaixo com arco, antes de tudo, os próprios contrabaixo e arco que se esteja a utilizar ― pois estes trazem consigo características tímbricas que lhes são únicas e inerentes. E ainda, evidentemente, o conjunto de “acessórios” (encordoamento, espelho, cavalete, alma, estandarte, pestanas superior e inferior, rabicho, encrinamento, faixatura, etc.) e a regulagem geral do instrumento.

cordas thomastik para contrabaixo acústico

O Fator Humano – elemento sonoro variável

O instrumentista, por sua vez, como elemento humano, é mutável, potencialmente flexível e adaptável, e, portanto, pode agir em função da obtenção dos resultados sonoros desejados em tempo real, independentemente de quais sejam.

Todavia, o que de mais efetivo pode fazer o instrumentista para alterar/controlar ele mesmo sua sonoridade enquanto toca, para tornar sua sonoridade mais bela em si, ou potencialmente expressiva, em suma, para produzir um bom e generoso som desde as perspectivas qualitativa e quantitativa ― evidentemente, consoante seus próprios ideais estéticos?

 

Elementos Técnicos sobre uso do arco ao contrabaixo

Em um instrumento de cordas friccionadas, um fator especialmente determinante e, portanto, transformador da sonoridade produzida é decerto o modo como o instrumentista emprega o arco, respectivamente, o controle que ele instrumentista exerce sobre as principais variáveis relativas ao uso do arco.

Estas variáveis ― mais uma vez, deliberadamente combinadas em função da obtenção dos resultados sonoros desejados ― conformam as principais características tímbricas e articulatórias (mutáveis, ou seja, que não são dadas) de cada som extraído de um instrumento.

Desta forma, seguem algumas dicas importantes de como usar o arco ao contrabaixo trabalhando suas variáveis técnicas.

1 –  O peso depositado com o arco sobre as cordas

Pode-se afirmar que, de modo geral, quanto maior o peso depositado sobre as cordas, tanto maior é o contato gerado com as cordas e, consequentemente, maior é a quantidade de som que se tende a extrair do instrumento.

Obviamente, obtém-se também o resultado contrário se se deposita menos peso sobre as cordas.

Do ponto de vista tímbrico, mais peso tende à produção de um som mais denso, menos peso à de um som mais frugal. O depósito excessivo de peso sobre as cordas, no entanto, pode facilmente “esganar” o som, tornando-o algo forçado e, assim, desagradável ao ouvido;

2 – O ponto de contato entre o arco e as cordas no eixo espelho-cavalete

É preciso compreender que, basicamente, quanto mais perto do espelho se dispõe o arco, mais flautado (“com vento”) e escuro tende a ser o som produzido, por outro lado, quanto mais perto do cavalete, mais concentrado e brilhante.

O espelho tende a facilitar a imposição de maior velocidade de arco, já o cavalete tende a exigir certo adensamento de contato entre o arco e a corda.

O desleixo em relação ao controle do ponto de contato, tanto em direção ao espelho quanto em direção ao cavalete, pode ter consequências indesejáveis, respectivamente, a produção de um timbre demasiado inconsistente, desfocado e escuro, dito “ventoso”, ou, em contrapartida, demasiado encaixotado e estridente, dito “raspadiço”;

3 – A região do arco utilizada no eixo talão-ponta

Ao aproximar-se à ponta do arco, o instrumentista tende a tornar as articulações mais leves, delicadas e elegantes; contrariamente, ao aproximar-se ao talão, mais vigorosas, pesadas, robustas ou até rudes.

A escolha da região correta ao usar arco ao contrabaixo para a realização de cada articulação desejada, em diferentes velocidades e intensidades, é fundamental, pois muitas arcadas, sobremodo as mais virtuosísticas, só são exequíveis em determinadas regiões do arco;

4 – A velocidade imposta ao deslocamento do arco sobre as cordas

A quantidade de arco utilizada para realizar as mais diversas articulações pode alterar profundamente a impressão geral que causamos ao ouvinte.

Em tese, se se tende a usar pouco arco, o resultado acústico costuma ser algo apertado e preso.

Com isto, o instrumentista pode passar facilmente a impressão de que está algo desconfortável com a situação de concerto.

Em contrapartida, se se tende a dar mais impulso ao arco, o resultado acústico costuma ser mais livre, solto e brioso.

É preciso alertar, no entanto, que a excessiva velocidade de arco pode gerar um som frouxo e sem cerne, descentrado, com demasiado “ar” em si mesmo. Em não raros casos, pode ainda dificultar o controle de trechos de difícil execução técnica, sobremaneira os que exigem muitos câmbios de corda.

5 –  O ângulo formado entre o arco e as cordas

Em princípio, para garantir a manutenção de um determinado ponto de contato entre o arco e as cordas, este ângulo deve sempre ser mantido em 90°.

Por outro lado, sua alteração (na prática, pôr a ponta do arco para cima ou para baixo), à maneira de um leme de embarcação, resulta no deslocamento natural do arco no eixo espelho-cavalete.

A não manutenção do ponto de contato, além de gerar inconstância timbrística, dificulta o controle das arcadas fora da corda (spiccato, por exemplo) e, ainda, pode produzir um constante e indesejável ruído de fundo;

6 – A “cambagem” do arco

Esta expressão faz analogia ao ajuste da inclinação das rodas de um veículo em relação a um plano vertical. No caso de um instrumento de cordas friccionadas, refere-se a quanto o instrumentista torce ou não o arco em si mesmo, seja em direção ao espelho ou ao cavalete do instrumento.

O ângulo reto (de 90° graus) faz uso uniforme de todas as crinas, propiciando assim um som mais denso (mais crina em contato com a corda), enquanto a angulação em qualquer direção diminui a ação das crinas da extremidade oposta, tornando o som mais frugal (menos crina em contato coma corda).

Ao contrabaixo, é relativamente comum encontrar instrumentistas que, como postura básica, giram excessivamente o arco em si mesmo no sentido do espelho.

Entretanto, a nosso ver, isto seria mais adequado a momentos específicos em que se visasse à produção de pianíssimos particularmente delicados.

Este mesmo “mau hábito” permite que a vareta do arco “roce” a corda inadvertidamente, gerando também, aqui e ali, um desagradável rangido.

Por fim, é fundamental que compreendamos que essas variáveis expostas acima, em conjunto, desenham de modo inequívoco a “assinatura sonora” pessoal de cada instrumentista, a qual, de fato, não se repete jamais, é única e intransferível.

Com efeito, a assinatura sonora de cada instrumentista deveria ser, na melhor das hipóteses, inconfundível.

Atividade Complementar

Segue uma video aula de como usar arco ao contrabaixo a fim de se obter uma sonoridade adequada.

Procuraremos demonstrar na praxe instrumental, portanto, ao contrabaixo, nosso instrumento de origem, como a alteração dessas variáveis, ou da combinação entre elas, afeta o som que produzimos: determina nossa sonoridade.

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About Gustavo Fontes

é professor de contrabaixo da Escola Municipal de Música de São Paulo (EMMSP) e da Escola de Música do Estado de São Paulo (EMESP), também na cidade de São Paulo – duas das maiores escolas de Musica do Brasil. É graduado em música pela USP e pós-graduado na Alemanha pelas Musikhochschule Köln (Orchester – Examen) e Musikhochschule Mannheim (Solisten – Examen). Atualmente, é pós-graduando em musicologia do Departamento de Música da USP. Gustavo tem atuado como solista, recitalista, camerísta, músico de orquestra e professor convidado em numerosos relevantes grupos artísticos e festivais de música por todo o Brasil e no exterior.

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